Conhecimento é arma para preservar a biodiversidade
Estudos científicos nas áreas protegidas de Itaipu têm embasado ações do CAB na conservação da natureza
No início do ano, um curimba sentiu saudade de casa e resolveu voltar ao Canal da Piracema de Itaipu, quase seis anos após ter sido solto. Ele foi
detectado pelas antenas na entrada do canal por meio de uma marcação eletrônica que recebeu no final de 2010. A volta do curimba prova que o sistema de transposição de peixes de Itaipu cumpre sua função, fazendo dele um modelo para os novos empreendimentos hidrelétricos do País. Mais que isso, o registro do curimba mostra que o conhecimento científico é uma arma importante para ser usada na preservação da biodiversidade.
O sistema de marcação de peixes de Itaipu por telemetria foi criado em 2009. O animal recebe um pequeno receptor, o pit-tag, por meio de uma incisão na região abdominal. Em seguida, ele é solto novamente no canal e, toda vez que passa por uma das quatro antenas, é registrado no sistema. De 2009 até o início de 2016 foram marcados 2.215 animais e, desse total, 462 registros foram feitos em um dos quatro pontos do canal. Outra marcação, externa e visível, é feita desde 1997 e carrega uma cápsula com um número de telefone para os pescadores ligarem quando capturarem o peixe. Esta marca externa já foi feita em 47.255 peixes.
para preservar os recursos pesqueiros do reservatório de Itaipu. E, todos os anos, os maiores interessados nisso, os pescadores, podem conferir pessoalmente a subida dos cardumes de peixes.
As visitas das dez colônias de pescadores, parceiras de Itaipu por meio da ação Produção de Peixes em Nossas Águas, acontecem sempre na época do defeso (entre novembro e fevereiro), quando está proibida a pesca. Nestas ocasiões, eles conhecem atividades como reprodução de peixes, pesquisas de criação em tanques-rede, marcação de peixes, povoamento, além do funcionamento do Canal da Piracema. “Eles ficam impressionados com a quantidade e a variedade de peixes que veem subindo o canal”, conta o engenheiro agrônomo Irineu Motter, também da área de reservatório da empresa. “Estes peixes chegarão ao reservatório e, em pouco tempo, poderão se reproduzir e garantir a manutenção dos estoques pesqueiros.”
“Estas visitas complementam o trabalho que Itaipu desenvolve em parceria com as colônias de pescadores da região, como limpeza das margens do reservatório e pontos de pesca, monitoramento da produção pesqueira e biologia pesqueira. O envolvimento dos pescadores mostra que eles agora fazem parte do trabalho coordenado por Itaipu”, conclui Motter.
Os dados coletados, tanto no sistema eletrônico quanto na marcação externa, ajudam os profissionais de Itaipu a avaliar a qualidade do sistema de transposição de peixes, mapear o movimento do animal e entender o perfil das diferentes espécies. “A curimba é a espécie mais abundante na pesca do reservatório e é também encontrada em forma de cardumes no canal”, explica a bióloga Caroline Henn, da área de reservatório da empresa.
Segundo Caroline, garantir que curimbas, piaus, pintados, dourados e outras espécies de peixes vençam as corredeiras e cheguem ao lago para fazer a desova é fundamental
A curimba é uma espécie robusta e viajante, que consegue subir os 10,3 km de corredeiras do canal sem muita dificuldade e nadar até 1.200 km em uma estação reprodutiva. No reservatório, a espécie chega a atingir 74 cm (fêmeas) e 62 cm (machos) e viver mais de 13 anos.
Da água para o céu: o voo da harpia
Assim como as pesquisas científicas têm ajudado a melhorar o conhecimento sobre a transposição dos peixes no Canal da Piracema, os estudos em reprodução fazem do Refúgio Biológico Bela Vista referência na criação de espécies em cativeiro. E a ave de rapina harpia (Harpia harpyjaa) tem sido o carro-chefe deste trabalho. Desde 2007, já nasceram no RBV 25 aves, o que torna o Programa de Reprodução de Harpias de Itaipu o mais bem-sucedido do mundo.
O plantel atual da empresa é de 23 aves que, além de contribuir para manutenção do programa de reprodução de Itaipu, são levadas a criadouros de instituições parceiras, como o Parque das Aves, para participar de outros programas. O objetivo é, no futuro, preparar a ave símbolo do Estado do Paraná para voltar ao seu habitat natural.
Enquanto este dia não chega, o foco é estudar a espécie e aperfeiçoar sua reprodução. A técnica de alimentar o filhote, por exemplo, de forma não invasiva e que simule a alimentação feita pela mãe, foi criada pelos profissionais de Itaipu. No final do ano passado, os técnicos inovaram mais uma vez: criaram um novo recinto, com 534 m2 de área plana e altura de centro de 10 metros, no Zoológico Roberto Ribas Langes, que vai permitir a exposição das aves e a convivência de cinco exemplares do animal em um mesmo ambiente, feito inédito na criação de harpias em cativeiro em todo o mundo – normalmente, as aves são expostas em casal.
A nova forma de apresentar a harpia só foi possível graças ao aprendizado dos especialistas observando a espécie. “Em nossos estudos, percebemos que, mesmo depois da emancipação, os filhotes continuam dependendo dos pais. Eles voltam para casa de vez em quando e precisam de uma referência para isso”, explica o médico veterinário de Itaipu Wanderlei de Moraes. “A grande sacada do manejo das harpias, então, foi manter o ninho junto com a ave ao longo de toda sua vida.”
Assim, cinco aves jovens, em diferentes estágios de vida, convivem em um mesmo local até atingirem três anos, idade em que passam a ser territorialistas. “Esta convivência será importante para a criação das aves. Os filhotes mais jovens terão contato visual, auditivo e social com os irmãos mais velhos e isso contribui para seu crescimento”, afirma Wanderlei. Além disso, o novo espaço vai atender a uma demanda antiga: expor este animal fabuloso para as pessoas que visitam o Refúgio Biológico. O recinto está integrado à trilha ecológica do zoo e faz parte da educação ambiental dos turistas e de estudantes da rede pública de ensino.
A harpia é um dos maiores, o mais pesado e o mais forte gavião do mundo. Adulto, pode alcançar dez quilos e dois metros e meio de envergadura. O talão, como é chamada a unha da ave, mede até 9 centímetros, equivalente à unha de um urso pardo. A espécie habitava uma ampla região que ia do Sul do México ao norte da Argentina, compreendendo todo o atual território brasileiro. No entanto, o desaparecimento das florestas fez reduzir a população dessas aves – que precisam de áreas de mata contínua para sobreviver. Hoje, no Brasil, a harpia só é encontrada em abundância na região do bioma amazônico, além de poucos registros no que restou da Mata Atlântica. Há poucos registros no Paraná.
Sob a copa das árvores
Para que aves como a harpia voltem a povoar seu habitat natural, vão depender de um bom estado de conservação das florestas da região. Quando o Programa Cultivando Água Boa foi criado, em 2003, uma série de ações desenvolvidas por Itaipu na proteção e conservação da flora e da fauna silvestres foi reunida no programa “Biodiversidade, Nosso Patrimônio”.
Naquele mesmo ano, teve início a implantação do Corredor da Biodiversidade Santa Maria, localizado nos municípios de São Miguel do Iguaçu e Santa Terezinha de Itaipu. O projeto permitiu estabelecer uma conexão verde entre a Faixa de Proteção da Itaipu e o Parque Nacional do Iguaçu, cobrindo uma distância de 12 km. Desde então, foram plantadas mais de 70 mil mudas de espécies florestais nativas, além da construção de 74 km de cerca para proteger a mata ciliar.
A preocupação com a cobertura florestal na área de influência do reservatório existe desde os primeiros estudos para a criação da usina hidrelétrica de Itaipu. Entre as medidas corretivas e preventivas para preservar a flora da região destacam-se a implantação das Áreas de Preservação Permanente (Faixa de Proteção do Reservatório), a criação dos refúgios biológicos, o acompanhamento da diversidade biológica e a pesquisa florestal, que teve um grande avanço no final do ano passado.
O primeiro inventário florestal da região é de 1976, mas, em dezembro de 2015, os estudos ganharam outro enfoque: passaram a ser sistemáticos. Um novo inventário florestal da vegetação no entorno do Canal da Piracema, no RBV, além de fazer o levantamento das árvores existentes na área protegida de Itaipu, permitirá o seu acompanhamento permanente e possibilitará futuros estudos acadêmicos na área demarcada.
De acordo com o engenheiro florestal de Itaipu Luis César Rodrigues da Silva, até então, os levantamentos eram estudos de momentos para observar uma situação pontual. “Não havia continuidade; agora, será um estudo permanente”, afirmou.
A demarcação da área onde é feito o inventário cria a oportunidade de várias pesquisas e publicações científicas no futuro, além do monitoramento permanente da região, com inventários florestais a cada cinco anos.
O novo inventário acontece em uma área de 21 hectares, dos 326,9 hectares que compreenderem a vegetação do entorno do Canal da Piracema, ou seja, 6% do total,. Uma amostragem bem acima da sugerida pela literatura científica: de 1% a 2% da área para poder extrapolar para toda a região.
No campo, os técnicos dividem a área em parcelas menores, de 100 m x 100 m, e fazem uma série de medidas. São anotadas em fichas a espécie, o diâmetro do caule (o local onde é medido, a 1,3 metro do chão, é marcado para futuras mensurações), além da localização aproximada da árvore dentro da parcela. Em alguns casos, é medida também a altura da árvore.
Nas primeiras medições, foram encontradas cerca de 900 árvores na parcela de um hectare de área, número considerado muito bom pelos especialistas. A continuidade do levantamento vai gerar uma radiografia fiel da área. “O primeiro inventário foi feito em 1976. Agora teremos os primeiros dados para comparar como está o desenvolvimento de nossa área protegida”, conclui Luis César.