PACTO PELA GOVERNANÇA DA ÁGUA
A Lei nº 9433/1997 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH) é produto de uma longa jornada participativa e de diálogo dos diversos setores da sociedade que ansiavam pela proteção e o uso sustentável da água.
A lei configurou um pacto nacional construído desde a academia, passando pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRHIDRO, pelos órgãos gestores estaduais e esforços de consórcios municipais, pelo Ministério do Meio Ambiente e Casa Civil da Presidência da República, das organizações da sociedade civil organizada, por parlamentares no âmbito do Congresso Nacional e das Casas Legislativas Estaduais.
Em toda essa jornada, desde a formulação nos bancos das universidades até a publicação da moderna legislação inspirada no modelo francês, os aspectos técnicos e políticos sempre estiveram conectados. Os aspectos técnicos respeitavam aquilo que vinha sendo produzido em inúmeras pesquisas no país, alinhando o conhecimento gerado às práticas existentes no Brasil e as experiencias exitosas no exterior.
Já os políticos captaram a centralidade do discurso de proteção da água e do uso desse recurso natural como vetor de desenvolvimento e, em reposta, buscaram a partir dos aspectos técnicos, estabelecer mecanismos e instrumentos para que o gerenciamento de recursos hídricos pudesse ser um meio efetivo na busca pela sustentabilidade econômica e social.
Ao longo dos últimos vinte e sete anos inúmeros avanços foram obtidos no âmbito da PNRH.
Os planos integrados das bacias hidrográficas alcançam cerca de 55% do território nacional, abarcando especialmente as regiões nas quais há cidades mais populosas e maior incidência de conflitos pelo uso da água.
A outorga de direito do uso dos recursos hídricos é um instrumento consolidado cujos usuários
enxergam com mais clareza a sua utilidade e as consequências do uso regular da água. A
cobrança pelo uso dos recursos hídricos está
PACTO PELA GOVERNANÇA DA ÁGUA
reconstruindo o protagonismo da PNRH e melhorando efetivamente a vidas das pessoas. Assinatura do Pacto pela Governança da Água – Amazonas, Roraima e Rondônia.
REVISTA ÁGUAS DO BRASIL EDIÇÃO 32 25 instituída em 10 unidades da federação, em 6 das 10 bacias interestaduais. No âmbito das bacias estaduais, é arrecadado anualmente cerca de R$ 600 milhões de reais. Nas bacias interestaduais a arrecadação é de aproximadamente R$ 160 milhões de reais anuais, e a cobrança do setor elétrico – CFURH, arrecada algo em torno de R$ 2,3 bilhões de reais que são distribuídos aos estados, municípios, ANA e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, dos quais R$ 220 milhões vêm para a ANA. Por sua vez, o Sistema Nacional de Informações de Recursos Hídricos – SNIRH tornou-se um grande instrumento de disponibilização de dados e informações. Estruturado e gerenciado pela ANA, o SNIRH está entre os sistemas com maior quantidade de dados abertos no país, atrás apenas dos bancos de dados do IBGE e do IPEA. Já o enquadramento de corpos hídricos é o instrumento em que menos se avançou, dada a sua complexidade tendo sido aprovado plenamente apenas em regiões com caraterísticas específicas.
É possível incluir também entre os sucessos da implementação dos instrumentos, acapacitação. Embora não seja um instrumento constituído na lei, os cursos e treinamentos disponibilizados pela ANA têm alcançado enorme capilaridade e utilidade para as pessoas atuarem de maneira mais assertiva nas instituições do SINGREH. Anualmente a Agência capacita 35 mil pessoas, estruturou uma rede de 23 universidades federais em 23 UFs que ofertam vagas para mestrado profissional por meio do PROFÁgua, no qual 526 pessoas já obtiveram o título. No âmbito do PROFCiamb outros 510 mestres profissionais já concluíram seus cursos.
Durante as grandes crises hídricas da última década a aplicação dos fundamentos, das diretrizes gerais de ação, objetivos e os instrumentos da PNRH foi um grande balizador da atuação conjunta da ANA, dos órgãos gestores estaduais e dos CBHs. O exercício político e técnico-institucional para fazer frente às dificuldades impostas exigiu de todos os entes do SINGREH um diálogo franco, cooperativo, que facilitasse a integração da gestão dos recursos hídricos, mas principalmente que apresentasse alternativas e garantisse a execução das intervenções formuladas.
A criação de espaços de alinhamento e construção de alternativas, como as salas de acompanhamento e as salas de crise, os processos de alocação de água e os marcos regulatórios, proporcionou avanços significativos na celeridade na tomada de decisões e na efetividade das medidas adotadas frente aos eventos extremos. Posteriormente, esses espaços se consolidaram como meios importantes para a construção de regras de operação dos reservatórios mais perenes e com faixas de níveis de reservação que permitem a gestão gradual das disponibilidades hídricas para os usos múltiplos da água.
As informações dos níveis dos reservatórios e dos rios são obtidas com mais consistência e de forma automática em função do grande aperfeiçoamento ocorrido no monitoramento hidrológico. A geração das informações avançou na quantidade, na qualidade e nas
diversas formas de sua disponibilização.
Essas informações associadas às do monitor de secas, que apresenta boletins acerca dos graus de severidade das estiagens para todas as regiões do país, e as informações das instituições de climatologia, permitem que o país reúna mais condições para reconhecer e registrar os impactos da mudança do clima e tomar decisões para a prevenção e mitigação dos eventos extremos a partir de evidências e de maneira mais consistente.
Paradoxalmente esse relativo sucesso na implementação da PNRH fez com que o grande pacto político e técnico-institucional fosse perdendo protagonismo com o passar do tempo. A ANA avançou significativamente nos aspectos de planejamento, geração de informações, fortalecimentos dos demais entes do SIGNREH, implementação dos instrumentos da PNRH e na solução de problemas relacionados a bacias críticas e crises hídricas.
Boa parte dos estados ampliaram as suas capacidades e encontraram soluções mais direcionadas aos problemas locais e de suas
necessidades mais prementes. Houve aumento considerável no número de comitês de bacias hidrográficas e de CBHs com recursos que
viabilizam o seu adequado funcionamento. Há arranjo institucional em funcionamento que permite a existência de entidades delegatárias
exercendo as funções de agência de bacia e que são um braço executivo para o funcionamento das instâncias de participação da sociedade e implementação dos planos de recursos hídricos.
Os avanços obtidos na ANA e nos estados e a aparente autonomia conquistada pelos principais CBHs e entidades delegatárias fezam com que o arranjo para a gestão de bacia hidrográfica se tornasse formal. As articulações, diálogos, discussões, intercâmbios, deram espaço a relações contratuais e a acordos formais. Os entes do SINGREH estão cada vez mais presentes em encontros nacionais e fóruns internacionais, realizam reuniões entre gestores e membros do Sistema que, apesar de saudáveis e construtivas, passaram a oferecer um número de soluções concretas de transformação das bacias aquém das suas capacidades. O SINGREH, embora constituído por pessoas de diversos setores, políticas públicas, comunidades, associações e interesses, tem falado predominantemente dele para ele mesmo.
As dificuldades de falar para outros fica demonstrada numa comparação simples entre alguns momentos cheios de significado para os agentes do SINGREH e os dias atuais.
O protagonismo dos entes do SINGREH e da implementação dos instrumentos da PNRH evidencia-se pelo alto nível das instâncias de
Poder nas quais grandes decisões relacionadas à água eram tomadas.
Em 16 de dezembro de 2002 a instalação do comitê de bacia do rio São Francisco – CBH-São Francisco e a posse dos seus 60 membros foi realizada em cerimônia no Palácio do Planalto e liderada pelo Presidente da República. Em 10 de dezembro de 2015, após o Ministério Público ingressar com ação civil pública visando determinar a atuação regulatória da ANA, foi homologado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Luiz Fux, o acordo entre a ANA, IGAM(MG), DAEE(SP) e INEA (RJ) para definição da regra de operação dos reservatórios do sistema hidráulico do Paraíba do Sul, incluindo a transposição do reservatório Santa Cecília para o Guandu(RJ) e que referendou a viabilidade hidrológica da transposição das águas dessa bacia para o sistema Cantareira em São Paulo.
Em 10 de julho de 2018 foi realizada em Brasília também pelo Presidente da República a abertura do Fórum Mundial da Água com a presença de delegados de mais de 170 nacionalidades e mais de 120 mil pessoas presentes nas exposições temáticas. Esse evento reverberou em diversos setores da mídia dentro e fora do país tendo chegado de fato à sociedade. O principal evento de água no mundo veio ao Brasil por meio de forte articulação da ANA, ADASA-DF, do Governo do Distrito Federal, do Ministério do Meio Ambiente, entre tantos outros atores que juntos trouxeram, organizaram e executaram no Brasil o maior evento sobre recursos hídricos no mundo.
Hoje ainda que seja o mesmo partido político que esteja na Presidência da República é muito difícil imaginar que haja a posse de membros de CBH com a dimensão do gesto de 2002 para o CBH São Francisco. Ou diante da imensa emergência climática que o país atravessa nesse momento que grandes acordos de uso da água tenham a ANA e os estados como protagonistas, ou ainda que a água e os entes do SINGREH, no país com maior disponibilidade hídrica do planeta, tenham alguma centralidade de discurso nos debates da COP 30, no fim do próximo ano. É possível que haja desconexão dos discursos dos agentes da PNRH com as demais políticas públicas e com os tomadores de decisão.
Assinatura do Pacto pela Governança da Água – Amazonas, Roraima e Rondônia.
Nesse contexto de grandes conquistas e evoluções no âmbito da PNRH, de redução do protagonismo dos entes do SINGREH e da necessidade de respostas concretas e mais céleres aos impactos das mudanças do clima, o Pacto pela Governança da Água dispõe-se a reavivar os aspectos políticos e técnicoinstitucionais que trouxeram o SINGREH até aqui.
Lançado em 2023 o Pacto pela Governança da Água constitui um instrumento político e técnicoinstitucional, com o propósito de reacender em todos (governadores, secretários, técnicos, municípios, sociedade civil, empreendedores, prestadores de serviços, setores usuários, reguladores infranacionais) o desejo de agir de maneira integrada e cooperativa para a implementação da PNRH, o alcance das metas de universalização do saneamento – NMLSB e a implementação da Política de Segurança de Barragens.
O Pacto é um instrumento político! Ao envolver o ministro do MIDR, Waldez Goes, representando a União e os governadores de cada uma das unidades da federação, o que se busca é que aqueles que tomam decisões sobre a água sejam envolvidos diretamente na adequada identificação e caracterização dos problemas e deem diretrizes e comandos para suas equipes a fim de executar ações concretas de transformação da realidade de segurança hídrica nos estados e nas bacias hidrográficas compartilhadas.
O Pacto é um instrumento técnico-institucional! A tomada de decisão acerca de ações de gestão, intervenções e seus respectivos investimentos Assinatura do Pacto em São Paulo financeiros devem vir respaldadas por análises e evidências técnicas. A ANA, os órgãos gestores estaduais e os CBHs, por meio dos Planos Integrados de Recursos Hídricos e da Cobrança pelo uso da Água, dispõem de vasta gama de informações, conhecimento, programas e projetos estruturados para promover a segurança hídrica em seus territórios. Essas instituições conhecem as realidades locais e já demonstraram que podem contribuir significativamente tanto com a legitimação das decisões sobre os usos da água nas bacias como também no financiamento dos projetos básicos e dos programas previstos nos Planos de Recursos Hídricos.
Assinatura do Pacto no Rio Grande do Sul
Ao longo de 2023 a ANA, o governo federal e os estados brasileiros confirmaram compromisso com de atuação conjunta em prol dos recursos hídricos, da universalização dos serviços de saneamento básico e da promoção da segurança de barragens. Foram firmados planos da ação comum da ANA como todos os estados e o DF até 2026. Serão 520 ações de gestão de recursos hídricos, 46 ações ligadas à edição, implementação das normas de referência do setor e assistência técnica às entidades de regulação infranacionais e outras 27 ações relacionadas segurança de barragens.
Dos recursos federais já há contratos assinados na ordem de R$ 350 milhões de reais e esperase que para o período de 2023 a 2026 sejam concretizadas ações com investimentos próximos a R$ 1 bilhão de reais. Essas ações atendem à melhoria da efetividade dos programas da ANA já implementados nos Estados, como o PROGESTAO, QUALIÁGUA, Monitor de Secas, Salas de Situação, entre outros.
Em outra frente a ANA estará mais próxima dos estados e dos CBHs, tanto levando e transferindo as tecnologias e processos já existentes na Agência (base de dados, outorga, cobrança, sala de crise) quanto recebendo e incorporando boas práticas existentes nos estados (águas subterrâneas, monitoramento hidrológico). Dessa forma espera-se que até 2026 os processos e os procedimentos dos órgãos do SINGREH estejam mais alinhados.
Numa terceira frente a ANA, com órgãos gestores estaduais e os CBHs irão desenvolver de maneira conjunta as “Ações de Integração”. Essas ações que serão implementadas constam nos planos integrados de bacias hidrográficas e nos planos estaduais de recursos hídricos.
Considerando os avanços já citados na implementação dos instrumentos da PNRH, Assinatura do Pacto no Rio Grande do Sul.
ANA avalia que os entes do SINGREH estão maduros para dar concretude à efetiva gestão integrada dos recursos hídricos.
Essas Ações de Integração buscam:
– refinar, harmonizar e integrar as bases de informações, para o cálculo da disponibilidade hídricas, estimativa da demanda, balanço hídrico de referência e balanço hídrico de referência integrado (superficial e subterrânea);
– integrar as bases de dados das UFs com os sistemas da ANA;
– estabelecer estratégias para implementar e harmonizar os critérios da cobrança em bacias compartilhadas para alcançar a sustentabilidade financeira do SINGREH;
– estabelecer procedimentos para elaboração e implementação de Planos Integrados de Recursos Hídricos;
– estabelecer e implementar o enquadramento de corpos d’água de forma integrada;
– estabelecer procedimentos para otimização da Rede Hidrometeorológica com integração das estações da ANA, do Estado, do setor elétrico e dos CBH’s;
– elaborar ações e planos de contingência a partir dos gatilhos de seca ligados aos mapas do Monitor de Secas;
– integrar as salas de situação das UFs com a Sala de Situação da ANA;
– estabelecer estratégias de fortalecimento das entidades infranacionais de regulação do setor de saneamento;
– estabelecer condições, deveres e procedimentos com vistas a estimular os empreendedores a realizarem ações de segurança de barragens; e estabelecer condições, deveres e procedimentos com vistas à sustentabilidade financeira das estruturas hidráulicas nas bacias.
Dessa forma, o Pacto pela Governança da Água busca reavivar o protagonismo da PNRH e dos entes do SINGREH, influenciando os tomadores de decisão, consolidando o que funciona bem, mas ousando um pouco mais naquilo que precisa melhorar e avançar. O Pacto busca ativar o setor de saneamento básico por meio das normas de referência e do fortalecimento das entidades infranacionais de regulação, para que os titulares dos serviços, os prestadores, os investidores tenham segurança jurídica e possam atrair investimentos, sem se distanciar do objetivo maior que é a universalização dos serviços à população, especialmente a mais pobre. O Pacto busca por fim acelerar a implementação de níveis maiores de segurança nas barragens por todo o país e evitar tragédias.
O Pacto pela Governança da Água não é um fim em si mesmo, mas é um convite para dar efetividade as ações dos governos e dos planos integrados de bacias hidrográficas.
Um convite para que políticos e técnicos partam dos discursos sobre os impactos da mudança climática, mas concretizem ações de mitigação e adaptação às mudanças do clima.
Para que partam das estatísticas e da maior vergonha civilizatória do país, mas que criem as condições para que os investimentos sejam realizados e os serviços cheguem efetivamente ao cidadão brasileiro. Para que reconheçam as grandes tragédias com barragens, mas garantam os recursos necessários para sua manutenção e operação e para a fiscalização dessas condições.