AMAZÔNIA NOSSA MAIOR RIQUEZA

Águas, ambiente e atividades antrópicas na gestão dos recursos hídricos

AMAZÔNIA

A Bacia Amazônica abrange 7 milhões de quilômetros quadrados, repartidos entre 9 países sul-americanos, como revela a Figura 1, dos quais 5 milhões e meio de quilômetros quadrados são cobertos por floresta tropical.
O bioma Amazônia corresponde a mais da metade das florestas tropicais remanescentes do mundo, desempenhando importante papel da regulação do clima do planeta. No Brasil, esse bioma ocupa 49,29% do território.
Como indicado na Figura 1, o Brasil, para propósitos institucionais e econômicos, delimitou, em 1953, uma área que designou como Amazônia Legal. Trata-se de
uma ampla região da qual hoje fazem parte 9 estados da União (Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso (parcialmente), Tocantins, Maranhão (parcialmente),
Pará e Amapá). Ela inclui as bacias hidrográficas dos rios Tocantins-Araguaia e Amazonas/Solimões (aí abrangidas as bacias dos seus grandes afluentes Xingu, Tapajós, Madeira, Purus, Juruá, Jutaí e Javari, pela margem direita; Içá, Japurá, Negro, Uatumã, Nhamundá, Trombetas, Curuá, Maicuru, Paru e Jari pela margem esquerda e as interbacias desses rios, entendendo interbacia como as áreas de drenagens superficiais que vertem diretamente no rio Amazonas/Solimões localizada entre as grandes bacias dos afluentes do Amazonas) além das bacias do Oiapoque, Araguari e demais rios que integram a Região Hidrográfica mas não são tributários do Amazonas, ocupando uma área total de 5,2 milhões de km2.

Em 1970 a Amazônia Legal abrigava 7,3 milhões de habitantes, que passaram a ser 23,5 milhões de almas em 2010, distribuídas irregularmente pelos estados da região, porém concentrada nas capitais, dentre as quais se destacam Manaus (com 2,1 milhões) e Belém (1,48
milhões).
Também merecem referência, no caso da Amazônia latinoamericana, o Tratado de Cooperação Amazônica e a OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, dos quais o Brasil é signatário e membro, respectivamente.

Na Bacia Amazônica, água, geologia e biodiversidade (a vegetação, mais notavelmente) desenham múltiplas combinações, estabelecem notável número de arranjos locais e modelam o território, sendo possível afirmar – lato sensu – que existem várias Amazônias dentro da Amazônia. Esses elementos, aliados à ocupação antrópica, aos estudos empreendidos e aos cenários esboçados, revelam a existência de profundas diferenças não somente nas visões sustentadas pelos diversos atores que operam na região, mas também nas características e potencialidades das próprias bacias hidrográficas, sugerindo a adoção de estratégicas e táticas diferenciadas para a gestão dos recursos hídricos em cada uma. Além disso, dentro de uma mesma bacia, algumas sub-bacias ou trechos de bacias se distinguem significativamente dos demais, o que se traduz como prioridades e encaminhamentos diversos de ações e intervenções no domínio da gestão dos recursos hídricos.

A Amazônia ocupa um dos polos permanentes de discussões nacionais e, mesmo, mundial. Muito há por ser descoberto e compreendido quanto ao seu funcionamento, aos recursos naturais ali existentes, à diversidade presente e aos serviços ambientais prestados, que poderão configurar-se, no futuro, em mercadorias, como os créditos de carbono. Intervenções estruturais demandarão cuidadosos estudos para certificar-se de que seus impactos podem ser assimilados pelo ambiente e definir quais as ações
mitigadoras/compensadoras a serem implementadas.

Não obstante ser a questão fundiária o problema mais agudo da Amazônia hoje – o desmatamento e as queimadas se apresentando como duas de suas faces mais perversas – há uma população que vivencia a presença rarefeita do Estado e a falta de oportunidades, o que exige uma resposta de governo que afirme suas políticas sobre o território amazônico brasileiro. Uma população que também tem direito ao progresso e dele não pode ser excluído.

Sobre a Amazônia sempre há muito que dizer. Esse ensaio trata das iniciativas até hoje conduzidas pela ANA no sentido de contribuir para a construção de uma visão integrada dos recursos hídricos e da sua gestão na região amazônica brasileira. Tendo em consideração as limitações de espaço, não se pode aqui ter a pretensão de percorrê-lo em toda a sua extensão. Dessa maneira, ele deverá circunscrever-se a algumas reflexões sobre os caminhos nas relações entre água, ambiente e atividades antrópicas na Amazônia e suas reverberações na gestão dos recursos hídricos nessa região do país.

Breves notas sobre a ocupação do espaço amazônico e a construção do conhecimento sobre a amazônia:

Um dos traços mais marcantes ao se examinar os processos de ocupação da Amazônia e os modelos de desenvolvimento praticados é sua orientação de fora para dentro, buscando atender necessidades e problemas exógenos à região, o abastecimento de mercados externos e a absorção de migrantes procedentes de outras áreas do território nacional, atuando divergentemente da realidade e das vocações naturais daquela área, exaurindo os recursos naturais presentes e impactando o ambiente. Assim se passou, por exemplo, nas duas edições do Ciclo da Borracha (1879-1912 e 1942-1945), onde a demanda externa fomentou a extração/comercialização de látex e atraiu numerosos migrantes procedente do Nordeste brasileiro. Outros exemplos foram a Fordlândia, o Projeto Jari, o ciclo dos garimpos nas bacias dos afluentes do Amazonas, destacando-se Serra Pelada, a bacia dos rios
Tapajós (e seus afluentes Teles Pires, Crepori e Jamanxim) e Madeira, além de outros grandes projetos de mineração.

Para apoiar a ocupação da Amazônia também muito contribuíram os eixos rodoviários construídos na
década de 70 e 80: as BRs -153 (Belém-Brasília); -230 (Transamazônica); 364 (Cuiabá-Porto Velho); -163 (Cuiabá- Santarém); e -174 (Manaus-Boa Vista). Em decorrência desse movimento, a ocupação demográfica sofreu duas importantes mudanças : tornou-se predominantemente urbano e passou a estabelecer-se ao longo das rodovias com o surgimento das “cidades das estradas”, jovens e vigorosas, e não mais ao longo da rede fluvial, nas “cidades das calhas” como tradicionalmente acontecera.

A Professora Bertha Becker (Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados 19 (53), pag. 71/86. São Paulo, 2005), ao tratar do povoamento e desenvolvimento da Amazônia lembra que eles foram “fundados de acordo com o paradigma de relação sociedade-natureza, que Kenneth Boulding denomina de economia de fronteira, significando com isso que o crescimento econômico é visto como linear e infinito, e baseado na contínua incorporação de terra e de recursos naturais, que são também percebidos como infinitos” (Becker, B., pg 72). E conclui afirmando que “esse paradigma da economia de fronteira realmente caracteriza toda a formação latino-americana” (Becker, B., pg 72).

Também não é possível falar de Amazônia sem abordar a questão do desmatamento, pelas conexões com a forma de ocupação do território e crescimento econômico, pelas consequências que acarreta para o modelo sustentável de desenvolvimento pretendido, e pela ameaça global que representa para o ambiente. A Tabela 1, a seguir apresenta a área desmatada ano a ano segundo levantamento do INPE, no período compreendido entre 2005 e 2018

Por outro lado, uma primeira avaliação da construção do conhecimento científico em uma região tão diversa, tão complexa, qualquer que seja a escala considerada, salienta imediatamente as dificuldades intrínsecas, não apenas da coleta de dados, mas também da sua interpretação e da transformação do conhecimento obtido em ações concretas para orientar o desenvolvimento sustentável em uma região
dotada de tanta diversidade.

Essa elaboração teve início efetivo no Século XIX com a passagem de naturalistas, exploradores e pesquisadores alemães, franceses, russos, americanos e ingleses, dentre os quais Albert Russel Wallace, von Langsdorff e Louis Agassiz. Prosseguiu com a criação do Museu Paraense Emilio Goeldi, em 1866, com sede em Belém (originalmente Museu Paraense de História Natural e Etnografia, constituído a partir da fundação da Sociedade Filomática, uma associação de caráter particular, que tinha entre seus objetivos a criação de um museu e de uma biblioteca. Passou a chamar-se Museu Paraense em 1871 e, mais tarde, Museu Paraense Emilio Goeldi, seu nome atual). Mais tarde, em 1952 foi criado o INPA, com sede em Manaus, que tantas contribuições científicas têm oferecido.

No século XX, as Universidades Federais dos estados amazônicos e várias agências do governo federal
também desempenharam importante papel na pesquisa, ensino e divulgação. O primeiro esforço na segunda metade do século XX verdadeiramente abrangente, sistemático e científico para conhecer a Amazônia como um todo ocorreu com o Projeto Radam , organizado pelo DNPM/MME. Esse projeto foi um verdadeiro marco no conhecimento da Amazônia, reunindo dados inéditos sobre cartografia, uso da terra, vegetação, geomorfologia, geologia, solos e recursos minerais. A Província Mineral dos Carajás é um resultado direto do Projeto Radam.

As décadas de 60 e 70 foram também marcadas por planejamentos e estudos setoriais, destinados
a orientar a explotação dos recursos amazônicos: os inventários hidrelétricos, estudos de viabilidade
de barragens, projeto e construção de usinas hidrelétricas; a colonização em Rondônia e ao longo da
Transamazônica; a implantação de projetos de logística e transportes.

Também merecem registro os estudos conduzidos por instituições governamentais, como o INPE, o
CEMADEN, SFB, MMA (responsável pelo PAS e pelo Macro ZEE da Amazonia Legal), ICMBio, IBAMA, o Ministério dos Transportes, (dentre os quais o importante Plano Nacional de Logística e Transportes), o DNIT, a EMBRAPA e muitas outras organizações não governamentais, como o WWF, o Imazon e o Instituto Sócio-Ambiental.

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