Entrevista: Paulo Salles, Diretor Presidente da Adasa

Qual é o significado do zoneamento dos usos do espelho do Lago Paranoá para a população?

O zoneamento traz um sentimento de segurança para todos que utilizam o Lago Paranoá. De fato, o convívio com veículos motorizados e a lembrança de diversos acidentes causam preocupações e medo em praticantes de esportes náuticos não motorizados e em banhistas, que muitas vezes levam crianças para dentro do Lago. Mas, também os adeptos da motonáutica se sentem mais seguros, pois o zoneamento reduz a presença de usuários não motorizados na área central do Lago. A questão da segurança também se coloca sob a perspectiva institucional. Entre as zonas que apresentam restrições definidas na legislação, três têm por objetivo a proteção de pessoas, diante de atividades da Caesb e da CEB, e uma, a segurança de autoridades. Com efeito, as restrições colocadas na Zona IV são motivadas pela garantia à saúde de quem eventualmente se aproxima demais das Estações de Tratamento de Esgotos, e pode ser contaminado pelos efluentes diluídos na água. As Zonas V e VI protegem as pessoas de acidentes causados pela sucção da água do Lago por máquinas, nos pontos de captação de água para abastecimento e de geração de energia na Barragem do Lago Paranoá, respectivamente. Finalmente, a Zona VII, de segurança nacional, protege autoridades contra atentados, e incautos que, ao se aproximarem dessas Zona de Segurança Nacional, podem ser confundidos com pessoas malintencionadas. Sem dúvidas, com o predomínio da sensação de segurança, será melhor a relação do público com o Lago Paranoá!

Quais são os benefícios do zoneamento dos usos do espelho do Lago Paranoá para a população?

A organização do espelho do Lago em zonas traz muitos benefícios para a população. O mais evidente, na minha opinião, é o reconhecimento dos usos múltiplos a partir de uma realidade concreta, visível, e organizada em zonas específicas. Trata-se da presença do Estado ao lado do cidadão, disciplinando o convívio, com segurança e urbanidade, de milhares de pessoas. Os investimentos na Orla esperados para os próximos anos poderão implantar a infraestrutura necessária para a criação de novas áreas de convívio e de lazer. Com certeza, a maior presença da população no Lago mobilizará muitos setores da economia, com potencial para gerar empregos e melhor distribuição da renda. Além desses aspectos, pode-se dizer que a população vai ampliar seus conhecimentos sobre a flora e a fauna aquática e sobre o próprio Lago. Nesse sentido, a Zona III, de Restrição Ambiental, é constituída de 19 áreas localizadas no espelho d’água do Lago junto à foz de córregos afluentes, locais de reprodução de inúmeras espécies de animais. Nesses locais são proibidos o uso de veículos motorizados e a pesca. Tomados todos os cuidados que se deve ter com ecossistemas frágeis como esses, é possível observar diversas espécies aquáticas e terrestres. É preciso conhecer, para se envolver e conservar!

O que o senhor tem a dizer sobre o papel do Comitê de Bacia?

A delimitação de áreas sujeitas à restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos, é uma competência dos Comitês de Bacia Hidrográfica, prevista na Lei Distrital 2.725, de 13 de junho de 2001. A experiência do zoneamento mostrou que o estabelecimento de áreas de restrição ambiental, ainda que sem proibição completa de usos (apenas estabelecendo prioridades), pode gerar soluções simples para problemas complexos, que afetam o cotidiano de milhares de pessoas. Ponto para os Comitês estudarem melhor. Mas, essa experiência também colocou em destaque algumas lacunas sérias no arcabouço legal do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos. O estudo técnico realizado, necessário para desenhar o zoneamento do espelho do Lago, e embasar a Deliberação no 01, de 10 de março de 2014, publicada pelo CBH Paranaíba – DF, foi o resultado do trabalho conjunto de técnicos e de entidades que são membros do Comitê. Faltou a este, como falta a todos os demais Comitês brasileiros, a autonomia técnica que deveria ser dada pela sua respectiva Agência de Bacia. Além disso, o desconhecimento do SINGREH fez com que o CBH não fosse reconhecido dentro da Câmara Legislativa do DF como um ente de Estado, criado por Lei promulgada nessa mesma casa de leis. Finalmente, a constatação de que, para que o trabalho do Comitê chegasse de fato a cumprir seu papel público, que é o de criar um zoneamento para um lago, foi preciso transformar a Deliberação do CBH em um Decreto do Governador do Distrito Federal. Será que não existe um caminho mais rápido e menos dependente de vontade política para que produtos de CBHs, realizados com o uso de recursos públicos, cheguem ao destino final, que é a proteção e o uso sustentável dos recursos hídricos? Concluindo, vê-se que os CBHS podem ser de fato, órgãos gestores de recursos hídricos e dar uma
grande contribuição ao Brasil. Vale a pena lutar para que isso aconteça!

Qual é a mensagem que a implantação do zoneamento traz para os leitores de Águas do Brasil?

O Lago Paranoá é um dos maiores atrativos de Brasília. Por muito tempo, a qualidade da água era um empecilho para o uso do Lago. Agora, além da boa qualidade da água, a desobstrução da orla realizada nos últimos anos facilitou ainda mais o acesso ao Lago. Esses fatores fazem com que o Lago seja ainda mais procurado pela população. O Lago é de todos, como são todos os recursos hídricos. Mas a cidadania não é composta apenas de direitos. Junto, vêm os deveres. A mesma legislação que cria os direitos à água na quantidade e com a qualidade necessárias aos usos mais nobres clama pela participação dos cidadãos na gestão dos recursos hídricos, tornando-se membros de Comitês de Bacia, e lhes dá outras responsabilidades. Cuidar da água é uma responsabilidade de todos!

Fábio Bakker, CAESB – Coordenador do GT-Usos do Lago

No processo de zoneamento do espelho d`água do Lago Paranoá merece destaque a ampla participação dos atores envolvidos tanto nas reuniões plenárias ordinárias e extraordinárias do CBH Paranoá, quanto nas reuniões da Câmara Técnica. O processo participativo é fundamental, mas a adoção de medidas técnicas também foi um valoroso insumo para o zoneamento. Questões como restrição a pesca em áreas onde a qualidade da água do lago apresenta restrições e a criação de faixas para desenvolvimento de atividades não motorizadas são bons exemplo. Outro fator relevante foi a atenção as questões de segurança dos  suários, nesse sentido foram estabelecidas restrições a velocidade e navegabilidade das embarcações em faixas predeterminadas do espelho d´água. Esse fator
demandou diversas reuniões e alinhamentos, mas acredito que o produto final conseguiu atender a todos.