Entrevista com Ricardo Medeiros de Andrade
“O principal legado do 8º Fórum será a mudança da importância do tema da água nas diversas esferas decisórias do país e do mundo”
Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Ricardo Medeiros de Andrade construiu sua carreira profissional na área de recursos hídricos, sendo atualmente um dos Diretores da Agência Nacional de Águas. Com larga experiência na área de gestão, é Governador do Conselho Mundial da Água desde 2012 e assumiu a Diretoria Executiva do 8º Fórum Mundial da Água tendo sido um dos principais articuladores na conquista deste grandioso evento para nosso país. Confiante no sucesso deste grande encontro das águas, Ricardo Andrade concedeu esta entrevista destacando a importância do tema “compartilhando água”, escolhido pelo Brasil como ponto focal das atitudes que devem permear toda sociedade no trato com os recursos hídricos.
Brasília será a capital mundial da água no período de 18 a 23 de março com o Brasil sediando o 8º Fórum Mundial da Água, cujo tema central é “Compartilhando Água”. No mundo globalizado em que vivemos como podemos definir este tema no contexto atual?
O Fórum Mundial da água é um evento único. Representa uma oportunidade para que os diferentes setores da sociedade possam discutir os assuntos relacionados a água sem qualquer vinculação ou comprometimento. Em sua oitava edição, procuramos expressar essa característica no seu tema central. “Compartilhando Água” busca, na sua essência, compartilhar benefícios pela água, compartilhar soluções, boas práticas, experiências exitosas, políticas públicas adequadas. Permite, ainda, compartilhar responsabilidade, cooperação entre povos, entre nações. “Compartilhando Água” é, na essência, promover o intercâmbio entre todos os interessados na busca da paz e da boa convivência.
Este grandioso evento que envolve praticamente todo o planeta no debate sobre as questões relacionadas aos recursos hídricos, acontece num momento onde o cenário internacional aponta para muitos territórios enfrentando crises hídricas, inclusive dentro de nosso país. Como os diálogos e discussões que acontecerão durante este encontro podem ajudar fortalecer uma agenda global pela preservação, conservação e de soluções para água?
O grande desafio que teremos é fazer com que as recomendações emanadas das diversas discussões que irão ocorrer no fórum sejam adotadas pelos países e nações. Teremos, durante a realização do Fórum, a oportunidade de ver serem apresentadas as mais diversas experiências – de todo o mundo, e discutir como elas poderão ser replicadas em outros locais. Entre os vários legados do Fórum, este será um dos mais importantes.
A água contempla um universo de atividades relacionadas tanto à vida humana como ao desenvolvimento que gera emprego e renda, o que aponta para uma gama enorme de assuntos relacionados a esta temática. Como foi organizada a programação técnica do 8º Fórum e quais os resultados factíveis que se espera obter com as discussões, debates e diálogos que acontecerão durante o evento?
O conteúdo programático do Fórum foi construído de forma aberta e participativa. Pela primeira vez foi utilizada uma plataforma na internet que nos auxiliou na construção das mais de 280 sessões, que irão abordar nove temas (clima, pessoas, desenvolvimento, urbano, ecossistemas, finanças, compartilhamento, capacidades e governança), nos cinco processos organizações – político, temático, regional, cidadão e sustentabilidade.
Entendemos que um evento deste porte deva elevar o nível dos diálogos em especial junto às lideranças internacionais visando, por exemplo, o fortalecimento da cooperação entre países para a gestão de águas transfronteiriças. No ambiente político de governança da água, o que podemos esperar do 8º Fórum como resultado que proporcione avanços nesta área da cooperação?
De fato, a oportunidade de participar de um evento deste porte nos enseja o alcance de alguns resultados. A nossa expectativa é que fique de legado alguns pontos relevantes: o engajamento de juízes e promotores públicos, que pela primeira vez irão fazer parte dos diálogos com todos os interessados; o processo parlamentar, que irá proporcionar um debate sobre questões de natureza legal a ser compartilhado entre os diversos países e nações presentes; o envolvimento das autoridades locais – prefeitos e governadores, que aportarão políticas locais de gestão de recursos hídricos.
A América do Sul possui hoje perto de 5% da população global e aproximadamente 25% da água doce do planeta. Como estamos realizando a primeira edição do Fórum Mundial da Água no hemisfério Sul e a gestão compartilhada das águas na América Latina faz-se extremamente importante, como fortalecer a liderança do Brasil neste processo de integração das políticas públicas da água já que fazemos divisa com muitos países?
O Brasil tem tido um papel importante no tema da gestão de recursos hídricos na América do Sul. Não há, de nossa parte, qualquer intenção de ser o líder neste tema. O nosso desejo é fazer com que os países sul-americanos que compartilham cerca de 18% da água doce do planeta, façam de forma descentralizada e participativa, preservando os interesses nacionais e a sua soberania. O Brasil tem feito a sua parte, e a Agência Nacional de Águas tem desenvolvido cooperações técnicas que possuem relevantes resultados para a preservação e o uso consciente desses recursos.
O Conselho Mundial da Água, um dos organizadores do 8º Fórum Mundial da Água, tem papel importante da condução de ações que fortaleçam a agenda global pela água. Quais os indicadores maiores que podemos ver resultados neste evento que possibilitem apontar ao Conselho quais são as áreas mais importantes para um trabalho conjunto e integrado de avanços no gerenciamento dos recursos hídricos a nível global?
O resultado mais importante é o fato de que o Fórum Mundial da Água chega a sua oitava edição como o maior e mais importante evento sobre água do mundo.
Dois diferenciais nesta edição do Fórum Mundial da Água são o Fórum Cidadão e o Grupo Focal Sustentabilidade. O que podemos esperar de resultados para o fortalecimento tanto da inserção forte da sociedade nos processos de gestão da água como no processo de conscientização para que o cidadão comum desenvolva sua vida olhando os recursos hídricos de maneira sustentável?
Esta será a primeira edição onde os cidadãos poderão participar sem qualquer custo. Será uma oportunidade única para ouvir os seus anseios e aprender com suas práticas. O Fórum Cidadão desta edição abrigará a “Vila Cidadã” espaço totalmente dedicado ao cidadão, com eventos técnicos e culturais. Outra importante inovação nessa edição, o Grupo Focal Sustentabilidade tem por objetivo garantir que o Fórum seja um evento sustentável, mas não somente isso, que todos os debates realizados abordem esse tema, presente no dia-a-dia do Brasil, quando teremos a oportunidade de compartilhar as práticas sustentáveis no uso da água em nosso país.
Todas as pessoas, com certeza, esperam que um evento como este aponte para avanços em especial no trato e cuidar das águas. O que podemos citar como legado para o “após o 8º Fórum” ?
O Principal legado do 8º fórum será a mudança da importância do tema da água nas diversas esferas decisórias do país e do mundo. Será a mudança do tema água na nossa pauta, tornando o assunto não somente como pauta negativa durante as secas e enchentes, mas principalmente, como pauta positiva, repercutindo, disseminando e compartilhando as boas práticas, as soluções, os compromissos, as responsabilidades, enfim, os benefícios pelo uso racional, sustentável e consciente da água.