SERIDÓ, do sertão à solução

Compondo o mosaico das diferentes realidades brasileiras, o semiárido nordestino é um território singular. Frágil sob o aspecto da insegurança hídrica que o caracteriza, carrega em si, no entanto, um extraordinário potencial, uma vez superada essa faceta. O chamado “Nordeste seco” corresponde a uma área total de 700 mil km2, constituindo uma das regiões semiáridas mais populosas do mundo, com cerca de 23 milhões de brasileiros habitando ali. A região do Seridó Potiguar, inserida no coração desse espaço geopolítico, é um exemplo representativo desse habitat peculiar. Seu território é composto pelas áreas de 24 municípios: Acari, Bodó, Cerro Corá, Carnaúba dos Dantas, Caicó, Cruzeta, Currais Novos, Equador, Florânia, Ipueira, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Lagoa Nova, Ouro Branco, Parelhas, São Fernando, São Vicente, São João do Sabugí, São José do Seridó, Santana do Seridó, Serra Negra do Norte, Timbaúba dos Batistas e Tenente Laurentino Cruz, todos no Estado do Rio Grande do Norte. Uma característica marcante dessa área é a certeza
da recorrência do fenômeno das estiagens. Registros históricos remontam ao período da colonização e se tornaram cada vez mais impactantes, sob o ponto de vista social e econômico, à medida que a ocupação dos sertões se consolidou. Nesse contexto, a posse desse território somente foi possível pela implantação de uma robusta infraestrutura de construção de barragens. Uma vez que o período chuvoso, quando há, se concentra em três ou quatro meses, é preciso armazenar a água precipitada para fazer frente aos outros meses do ano. Um estratagema necessário para “transportar água no tempo.” Nesse aspecto, muito foi feito. Podemos mesmo dizer que foi a construção da açudagem que viabilizou a existência da civilização nordestina, nos moldes da que hoje habita ali.

Todavia, o armazenamento, em pontos específicos, beneficia apenas um número limitado da população que habita suas margens. É preciso, portanto, efetivar uma infraestrutura de transporte que possa espalhar a água no espaço atingindo assim o maior número possível de habitantes. Nesse quesito, também muito foi realizado e uma rede importante de adutoras foi construída a partir dos principais reservatórios, e em “voo de cruzeiro”, a situação pode ser considerada confortável.

Não obstante, em anos de precipitações abaixo da média, queda claro, que a segurança hídrica (água o tempo todo, todo o tempo, para os diversos usos) ainda está longe de ser alcançada.

A crise hídrica 2011/2018, foi prova cabal. O Nordeste, como um todo, foi severamente afetado. No ano de 2017, o Nordeste Setentrional tinha sua reserva hídrica reduzida a 12% de sua capacidade. Ao final de 2018 o Complexo Curema/Mãe D’água, na Paraíba, capaz de armazenar mais de um bilhão de metros cúbicos, chegou a níveis críticos. O mesmo ocorreu coma a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, no RN, com capacidade de armazenamento de 2,4 bilhões de metros cúbico e o Gigante Castanhão, no CE, com capacidade de armazenamento superior a 6 bilhões de metros cúbicos. A busca da tão sonhada segurança hídrica, que tem povoado o imaginário de múltiplas gerações ao longo da história, começou a tomar forma com a busca de uma fonte segura que pudesse garantir os usos múltiplos mesmo nos períodos de estiagem. A implementação da solução encontrada, há mais de um século e meio, só agora começa se concretizar, na prática, com a chegada das águas provenientes da transposição do Rio São Francisco. No entanto, somente a chegada da água aos reservatórios do nordeste setentrional não proporcionará benefício às populações daquela região que não se encontrem próximas deles.


Bacia Hidrográfica dos Rios Piancó/Piranhas/Açú – Integração com o PISF

Projeto Seridó

A Bacia hidrográfica dos Rios Piancó-Piranhas Açú, que drena territórios dos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba tem, no seu Comitê de Bacia, um bom exemplo de como o sistema de gerenciamento dos recursos hídricos pode funcionar de maneira solidária, efetiva e eficaz. O protagonismo exercido durante o período da última grande seca é prova disso. Se constituindo num âmbito propício para a prática da “hidrodiplomacia,” enfrentou os grandes dilemas da gestão dos recursos hídricos, somando esforços e trazendo juntos os governos estaduais, a ANA, os usuários e a sociedade civil. Nesse contexto foi elaborado o plano da bacia, de forma profundamente participativa. Presidia as discussões, a ideia que era preciso se avançar na transição de uma gestão de crises para uma gestão de riscos calculados. A análise das projeções deixavam claros os déficits hídricos que as cidades da região enfrentariam nas próximas décadas, mesmo se analisados cenários de desenvolvimento tendenciais. Decorreu daí uma reflexão filosófica. Estaríamos diante de uma sina? A utopia de se alcançar segurança hídrica com cem por cento de garantia para o abastecimento das cidades do Seridó Potiguar, levando em conta toda a infraestrutura já existente, se constituía realmente em um sonho inatingível? Estava posta a pergunta, fora posto o desafio.

Demandas de abastecimento humano no Seridó potiguar e déficits dos sistemas atuais:

A Agência Nacional de Águas se debruçou sobre o tema, conseguiu recursos e junto com a equipe da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Norte, SEMARH, preparou um termo de referência para a realização de um estudo que pudesse responder à questão. Para tanto foi viabilizado um convenio entre a ANA e o RN através da SEMAHR. Nascia aí o Projeto Seridó. Com base no convênio pactuado com a ANA, a SEMARH realizou um certame licitatório que teve como vencedor a ENGECORPS ENGENHARIA S.A., para a elaboração dos Estudos de Concepção e de Viabilidade Técnica, Econômico-Financeira e Ambiental e Elaboração do Projeto Básico de Sistemas Adutores. Foi estabelecido como premissas básicas o abastecimento de todas as cidades do Seridó no horizonte do ano 2070 com 100% de garantia hídrica e a desoneração dos reservatórios existentes para uso em atividades produtivas. Além do fato de que o abastecimento humano constitui uma prioridade absoluta, sustentada por preceitos legais e institucionais no amplo espectro da gestão dos recursos hídricos, a asseguração da oferta de água para as populações do Seridó Potiguar atende ao objetivo central do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional – o PISF, onde se encontra inserida a região, integrando a bacia do rio Piranhas-Açu, beneficiada diretamente pelo empreendimento. O Projeto buscou também proporcionar ao sistema produtivo regional, representado principalmente pela irrigação, a mineração e a indústria ceramista, a quantidade de água necessária para suas sustentações. Após uma extensiva análise da infraestrutura existente, incluindo aí, a Barragem de Oiticica em fase final de construção e considerando a chegada das águas da transposição do Rio São Francisco, prevista para o segundo semestre de 2021, o estudo apontou que uma rede de sistemas adutores, interligadas entre si, e com os sistemas já existentes, tendo como fonte supridora as Barragens de Oiticica e Armando Ribeiro Gonçalves, oferece a garantia pretendida para o abastecimento humano, liberando assim os reservatórios para as atividades produtivas. São cerca de 300 Km de adutoras distribuídos em dois eixos: Seridó Norte e Seridó Sul.

PREMISSAS QUE PRESIDIRAM A CONCEPÇÃO DOS SISTEMAS ADUTORES

    • Atendimento garantido das demandas das cidades e comunidades rurais próximas ao eixo adutor até 2070
    • Taxas de consumo per capita adotadas: 200 L/hab/dia para cidades com mais de 50 mil habitantes 160 a 180 L/hab/dia para cidades entre 20 e 50 mil habitantes 150 a 160 L/hab/dia para cidades com menos de 20 mil habitantes 100 L/hab/dia para as populações da zona rural
    • Destinação dos reservatórios com projetos públicos de irrigação associados para utilização exclusiva do sistema produtivo regional Reservatório Cruzeta: Perímetro Irrigado Cruzeta (138 ha) Reservatório Sabugi ou Santo Antônio: Perímetro Irrigado Sabugi (403 ha) Reservatório Itans: Perímetro Irrigado Itans (107 ha)
    • Interligação de todos os sistemas adutores ao Sistema Operacional do PISF – Rio Piranhas Açu


Barragem de Oiticica em fase final de construção


Foto de adutora já existente que será incorporada ao novo sistema

ENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE

Uma característica da construção desse projeto foi o permanente envolvimento dos atores envolvidos e uma eficiente troca de informação e comunicação em todas as suas fases. Na área técnica, a SEMARH além do permanente apoio recebido da ANA, envolveu outras instâncias do governo que guardavam relação com tema e de forma especial o IGARN- Instituto de Gestão das águas do RN e a CAERN- Companhia de Águas e Esgotos do RN, no desenvolvimento do projeto em todas as suas fases. No território da Bacia Hidrográfica, o comitê exerceu um papel de protagonismo na mobilização da população na participação das reuniões que foram realizadas em diversos municípios ao longo da execução do estudo. Também se encarregou de difundir as informações pertinentes através do seu sistema de comunicação. Foi realmente intensa e efetiva a participação da população, que inclusive contribuiu nas decisões dos caminhos a serem seguidos na construção do projeto. Foi tal o interesse, que houve audiências transmitidas ao vivo, por muitas horas e com grande interação com o público. O projeto foi construído com a participação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos- CONERH e foi recepcionado no Plano Estadual de Recursos Hídricos e no Plano Nacional de Recursos Hídricos elaborado pela ANA em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional.

ESTÁGIO ATUAL

O governo do Estado do Rio Grande do Norte, detentor do projeto, estabeleceu uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional, cedendo o projeto básico, para que a obra seja licitada e executada através da CODEVASF. O cronograma estabelecido prevê o início das obras já no primeiro semestre de 2021. A expectativa é de que a conclusão dos sistemas adutores se dê em três anos.

CONCLUSÃO

Benefício a 24 municípios e três perímetros irrigados implantados na região Investimento previsto: R$ 301,5 milhões População beneficiada: 250 mil habitantes (2020) | 350 mil habitantes (2070) Perímetros Públicos de Irrigação com oferta hídrica garantida: Itans, Sabugi e Cruzeta Conjugando conceitos, tais como, transporte a partir de uma fonte segura, reservação em grandes barragens e distribuição de água através de uma rede interligada de adutoras, o Projeto Seridó, sinaliza um “fecho de ouro” e finalmente aponta o caminho para se atingir a tão sonhada garantia hídrica para o abastecimento urbano de toda a região do Seridó Potiguar. Além disso, na medida em que desonera os açudes locais da responsabilidade de suprir o abastecimento humano, abre a possibilidade para seu uso em atividades produtivas. Trata-se, portanto, de um projeto com potencial transformador, capaz de pavimentar uma nova trilha de desenvolvimento social e econômico para a região semiárida do Seridó Potiguar, encerrando um longo e difícil capítulo da história dos sertanejos que ali habitam.