Projeto Pipiripau

O Projeto Produtor de Água na Bacia do Ribeirão Pipiripau, coordenado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (ADASA), com o envolvimento direto de 17 parceiros institucionais, foi um dos 12 finalistas do concurso internacional “Water ChangeMaker” (Produtores de Mudanças em Relação à Água) e terminou em 2º lugar pelo júri técnico de alto nível e em 3º na votação pela internet. O Prêmio Water ChangeMaker 2020, que é promovido pela Global Water Partnership (GWP), organização internacional com sede na Suécia, foi lançado em abril de 2020 e teve como tema central a construção de resiliência por meio da mudança de decisões em relação à gestão dos recursos hídricos. Seu objetivo maior é valorizar e dar visibilidade às organizações que implementam boas práticas por meio da construção de parcerias na solução de questões relacionadas à água. Foram habilitadas 340 iniciativas para a participação no concurso, de mais de 80 países, sendo nove (9) delas brasileiras. Do total de projetos, 78 seguiram para as semifinais, dentre os quais, quatro (4) do Brasil (Fig.1).

Em outubro de 2020, durante a Assembleia Geral da GWP, foram anunciadas as 12 iniciativas que seguiram para a fase final do concurso, sendo elas:

    • Bangladesh – Parlamento de mães em defesa de instalações de água, saneamento e higiene resilientes a mudanças do clima;
    • Butão – Construindo tecnologia agrícola resiliente ao clima e de baixo custo por meio da gestão dos recursos hídricos;
    • Bolívia – Água e energia hídrica como impulso ao desenvolvimento autossustentável da comunidade indígena Sarayoj;
    • Bolívia – Banco da bacia hidrográfica: financiando a conservação de fábricas de água na região tropical dos Andes;
    • Brasil – Projeto Produtor de Água na Bacia do Pipiripau: construindo resiliência em região de conflito pelo uso da água;
    • Canadá – Comunidades indígenas liderando a busca por resiliência hídrica nos Andes; Equador – Fundo de Redução da Pobreza impulsionado pela visão indígena e rural de Tungurahua;
    • Egito – “Bank filtration” para tratamento de água e resiliência climática: aplicação, treinamento e conscientização;
    • Honduras – Aumento da resiliência da comunidade por meio de programas holísticos relacionados a água, saneamento e higiene (WASH), incluindo proteção de microbacias;
    • Quênia – Desenvolvimento e serviços da plataforma WashMIS;
    • México – Bacias hidrográficas e cidades: participação social para melhorar a saúde dos ecossistemas e o abastecimento de água;
    • Filipinas – A história da Reserva Masungi: restaurando bacias hidrográficas esquecidas por meio de movimentos liderados por jovens.

 

No dia 25 de janeiro de 2021 foram anunciados os projetos vencedores e selecionados para participar da 26ª Conferência de Mudanças do Clima das Nações Unidas (COP26), em Glasgow, Escócia, que acontecerá em novembro de 2021 e o Projeto Pipiripau foi destaque com o 2º lugar pelo júri técnico de alto nível e em 3º na votação pela internet.

PROCESSO DE AVALIAÇÃO

Os principais critérios de avaliação das propostas foram: (i) Resiliência climática construída por meio de decisões acerca da gestão dos recursos hídricos; (ii) Magnitude e longevidade das mudanças; (iii) Profundidade do processo de aprendizagem; e (iv) Amplitude das parcerias e da colaboração. Nesse contexto, foram avaliadas as mudanças geradas nas vidas das pessoas, no ambiente físico, nas estruturas e rotinas institucionais, nos fluxos financeiros e no comportamento dos envolvidos. Também foram solicitadas informações sobre as estratégias utilizadas para a quebra da inércia e da resistência de pessoas e instituições para a implementação das mudanças. As ferramentas utilizadas para o envolvimento e capacitação das pessoas, e como isso tem sido importante nos processos de tomada de decisão e na própria manutenção e continuidade das mudanças também constaram da avaliação. Por fim, demandaram informações detalhadas sobre a estrutura de governança do projeto e de que forma as partes normalmente excluídas participam nos processos de decisão e implementação do projeto

Para a coleta dessas informações, no momento de inscrição para o prêmio, foram formuladas sete perguntas, quais sejam:

  1. Descreva brevemente sua jornada de mudança. Qual foi o problema que sua iniciativa abordou? O que causou o problema? Havia barreiras para resolver o problema? Quem ou o que estava envolvido na criação do problema – e quem ou o que foi impactado pelo problema?
  2. Descreva a mudança que sua iniciativa criou e como foi alcançada. Como você criou o impulso para a mudança? Por exemplo, você construiu novas coalizões com outras pessoas, dentro e fora do seu setor ou área de trabalho? Você alavancou a tecnologia para permitir mudanças? Você aproveitou experiências ou bons exemplos de outros lugares
  3. Como sua iniciativa ajudou a criar resiliência às mudanças climáticas? Descreva o impacto específico relacionado ao clima, como ele se manifestou e descreva como sua iniciativa ajudou a criar resiliência em relação a esse impacto específico (quantificando essa resiliência, se você
    puder)
  4. Que decisões relacionadas à água sua iniciativa influenciou ou melhorou? Identifique os processos relacionados à tomada de decisão que foram influenciados ou aprimorados, por exemplo, acesso a dados, transparência, inclusão de grupos sub-representados, criando conexões e caminhos para melhorar a colaboração entre políticas,
    ciência e comunidades.
  5. Quais foram os principais desafios enfrentados e como foram superados? O que tornou sua jornada Water ChangeMaker especial? A mudança foi difícil e por quê? Foi difícil conseguir acordos com outras pessoas? Por quê? Por exemplo, houve inércia entre organizações maiores que não haviam mudado há muitos anos?
  6. Em sua opinião: a mudança criada por sua iniciativa continuará? O que o deixa confiante de que as mudanças que foram alcançadas durarão? O que pode colocar suas realizações em risco? Foi feito algo especificamente para ajudar as mudanças a continuarem?
  7. O que você aprendeu durante a iniciativa ou depois? E é possível que outros possam aprender com você? O que você aprendeu ao longo de sua jornada no Water ChangeMaker? E você aprendeu com a própria experiência ou usou alguma ferramenta, por exemplo, livros, recursos baseados na web, pesquisas, publicações ou outras iniciativas.? Como se pode observar, algumas das perguntas foram endereçadas ao próprio responsável pela submissão do projeto e, uma vez habilitada a proposta, a Comissão Julgadora ainda entrou em contato com uma referência ad hoc indicada no momento da inscrição, para verificação da veracidade das informações fornecidas. Na sequência, com a passagem do Projeto para as semifinais, mais duas (2) perguntas foram encaminhadas para os participantes, a saber:
  8. Considerando a importância da liderança para catalisar mudanças, como foram estabelecidas as metas e responsabilidades compartilhadas que ajudaram a gerar uma ação coletiva? Conte-nos mais sobre como se motivou outras pessoas a agirem juntas? Como as responsabilidades foram compartilhadas e coordenadas? Como os diferentes stakeholders investiram no sucesso da iniciativa? Como se espalhou o envolvimento na iniciativa? Como foram superados os contratempos encontrados em relação à propriedade compartilhada e adesão?
  9. À luz de sua inscrição, descreva ou explique a extensão e a amplitude dos diferentes valores econômicos, ecológicos e socioculturais reconhecidos e levados em consideração em sua jornada. Foram envolvidos grupos ou indivíduos que poderiam ter sido excluídos no passado? Se sim, quais são? Surgiu alguma nova perspectiva? Como foram reconciliados e integrados valores diferentes de forma inclusiva e transparente para fazer a mudança acontecer? Você encontrou problemas em que a água foi subvalorizada?

Projeto Produtor de Água do Pipiripau

O principal objetivo do projeto é minimizar os conflitos pelo uso da água na Bacia Hidrográfica do Pipiripau (235 km²) por meio da boa governança, da Gestão Integrada de Recursos Hídricos (GIRH) e da implementação de boas práticas de manejo e conservação do solo e da
água.

Os conflitos na bacia são históricos e se intensificaram ainda mais com a implementação, no ano 2000, de uma captação de água para abastecimento da população de duas cidades do Distrito Federal que se desenvolvem rapidamente, Sobradinho e Planaltina. Hoje, as águas do Pipiripau abastecem mais de 200 mil pessoas nessas cidades, além de cerca de 600


Placa do projeto produtor do Ribeirão Piripipau com a identificação de todos parceiros institucionais

propriedades rurais na bacia, que constitui importante área de produção agrícola do Distrito Federal, parte dela, irrigada. O aumento da demanda, associado a anos ruins de chuva, frequentes nas últimas décadas, e a consequente redução das vazões, acabam por acirrar na região os conflitos pelo uso da água nos períodos mais secos do ano

Diferentes instituições vinham desenvolvendo atividades na Bacia do Ribeirão Pipiripau, contudo, sem coordenação e integração das ações, seus impactos eram pouco percebidos. Assim, em 2010, da articulação de alguns órgãos, surgiu a oportunidade de adotar o Programa Produtor de Água na Bacia, desenvolvido e difundido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), como forma de melhorar a governança e a sinergia entre as ações na bacia, por meio da Gestão Integrada dos Recursos Hídricos. A adesão foi ampla e imediata e, transcorrido algum tempo, foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre 17 instituições (Federais, Distritais/ Estaduais, Privadas e ONGs), que passaram a atuar de forma coordenada na região. Evidentemente, não se trata de tarefa simples trabalhar com número tão expressivo de instituições (e seus departamentos jurídicos) e pessoas.


Entrega dos cheques aos produtores rurais da bacia do Piripau em razão do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)
No entanto, com o estabelecimento de um modelo de governança sólido, com responsabilidades compartilhadas e metas claras, cada um com obrigações relacionadas às suas respectivas capacidades e competências, o Projeto não só avançou na bacia, como passou a ser replicado em outras áreas de conflito pelo uso da água no DF, como a Bacia do Rio Descoberto, que abastece cerca de 60% da população desta unidade da federação.

No que se refere à governança, destaca-se que todas as instituições parceiras são integrantes da Unidade de Gestão do Projeto (UGP), principal instância de discussão e decisão dessa iniciativa e, apesar da coordenação da ADASA, é sempre importante ressaltar que “o projeto é de todos os parceiros, não só os institucionais, mas também os produtores rurais, sem os quais, ele nem existiria!”. Portanto, foi em nome de todos os parceiros que submetemos o projeto ao referido prêmio e, igualmente, é em nome deles que apresentamos este artigo.

Quanto à implementação do Projeto, o primeiro passo foi desenvolver um diagnóstico detalhado e determinar as principais ações necessárias para minimizar os impactos da escassez de água na bacia que já vinha acontecendo com certa frequência durante os períodos mais secos do ano. As metas focavam na implementação de soluções baseadas na natureza, na infraestrutura verde e cinza, bem como na adoção de boas práticas de manejo e conservação de solo e água em propriedades rurais e estradas de terra.

O engajamento dos agricultores no início do projeto, sem dúvidas, foi um grande desafio. Considerando o princípio do Provedor-Recebedor, o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) vem contribuindo no processo de envolvimento e adesão dos produtores, mas eles logo percebem que este não é o principal benefício do Projeto. Após 7 anos de implementação do PSA, já foram assinados contratos com mais de 215 pequenas propriedades da bacia hidrográfica, número que segue avançando. Destaca-se que os recursos do PSA são provenientes da Companhia de Saneamento que capta água na bacia, a Caesb, e os contratos com os produtores são assinados pela ADASA, após adesão voluntária aos editais públicos de chamamento à participação.


Exemplos de ações implementadas no âmbito do Projeto: à esquerda, terraços e barraginhas (Foto: Emater-DF); e à direita, durante as obras de tubulação do Canal Santos Dumont (Foto: ADASA).

As ações que serão implementadas são negociadas com os agricultores, após análise técnica de suas propriedades e levantamento das possíveis intervenções. Atualmente, cerca de 250 ha estão em processo de recuperação da vegetação nativa (420.000 mudas) na bacia. Terraços foram implantados em 1.400 ha. Mais de 200 “barraginhas” foram construídas ao longo de 134 km de estradas de terra. O Canal Santos Dumont (20 km), que corria sobre a terra, foi tubulado, o que praticamente eliminou as significativas perdas no processo de condução da água, reduzindo em cerca de 100 L/s a demanda hídrica desta que é a segunda maior captação de água na bacia.

O Projeto, sem dúvidas, gerou mudanças de valores, conhecimentos, habilidades, atitudes, hábitos e competências, não só dos agricultores, mas também das instituições, ajudando na compreensão geral dos benefícios de trabalhar em conjunto e de forma integrada. Alguns exemplos podem ser citados de uniões instituídas e fortalecidas em razão das ações do Projeto, como a Associação dos Produtores usuários do Canal Santos Dumont, a Associação de Produtores Agroecológicos e as iniciativas de CSA (Comunidades que Sustentam a Agricultura), otimizando os benefícios gerados e as condições de vida dos produtores da região. Entre as instituições, a replicação do projeto em outra bacia é prova do sucesso da experiência.

Adotando melhores práticas, reduzindo o escoamento superficial e favorecendo a infiltração da água no solo, os agricultores conseguem manter o solo úmido por mais tempo, tornando pelo menos parte de suas plantações mais resistentes aos pequenos períodos secos. A erosão e o consequente carreamento de solo e nutrientes passaram a ser menores como a implementação das boas práticas. A melhoria da infraestrutura e da gestão fizeram com que a demanda de água fosse reduzida significativamente, reduzindo custos de produção e minimizando os conflitos, gerando benefícios sociais, econômicos e ambientais. Ao aumentar a infiltração de água no solo, também são esperadas, com o tempo e o avanço do projeto, melhorias na recarga dos aquíferos e, por consequência, no escoamento de base, melhorando a disponibilidade hídrica durante os meses de seca, quando ocorrem os conflitos, o que ainda é difícil de comprovar em escala de bacia, mesmo com o intenso monitoramento hidrológico efetuado, mas com evidências claras de melhorias nas propriedades.

As ações de recuperação da vegetação nativa também têm papel importante, principalmente nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Nesses casos, além do incentivo e apoio ao produtor na adequação ambiental de sua propriedade, a delimitação e, por vezes, o cercamento dessas áreas (onde tem gado), evita que o produtor utilize zonas mais próximas dos cursos d’água, onde, em geral, o lençol freático também é mais próximo da superfície, diminuindo o risco de que fertilizantes e defensivos agrícolas cheguem ao rio. Os produtores também relatam com orgulho a presença de animais nessas áreas recuperadas, ou o retorno de outras espécies que há muito não viam, indicando benefícios à fauna e à biodiversidade da região. O Projeto tem ainda um Grupo de Trabalho específico para ações de educação ambiental na bacia, envolvendo, principalmente, mas não exclusivamente, os filhos dos produtores e trabalhadores rurais.

Além dos fatos já relatados, cabe ressaltar que, ao integrar os principais atores e usuários de água da bacia, o Projeto melhorou consideravelmente a governança da água e a GIRH na região do Ribeirão Pipiripau. Exemplo disso, é o avanço verificado no processo de Alocação Negociada de Água na bacia, que vem sendo realizado anualmente, sob coordenação da ADASA e da ANA, com ampla participação dos usuários, base em dados de monitoramento e simulações hidrológicas de
diferentes cenários para o período seco.

Com isso, tanto os produtores quanto a companhia de saneamento podem antecipar e dimensionar seus potenciais riscos de conviver com restrições hídricas durante os meses mais secos e, assim, podem tomar as medidas necessárias para evitar maiores prejuízos para suas atividades e para a sociedade. A solidez e a maturidade desse processo de Alocação Negociada permitiram que a ADASA e a ANA, recentemente, estabelecessem Marco Regulatório específico para a bacia do Ribeirão Pipiripau, acompanhados pela publicação frequente de boletins sobre a sua situação
hidrológica.

Mais informações sobre o Projeto podem ser acessadas no livro “A experiência do Projeto Produtor de Água na Bacia Hidrográfica do Ribeirão Pipiripau” (Lima e Ramos, 2018).


Ações de educação ambiental no âmbito do Projeto Pipiripau: à esquerda, Dia de Campo que reuniu 770 pessoas na Bacia (Foto: Seagri); e à baixo, Programa Produtor de Água Mirim (Foto: ADASA)

Considerações finais

Apesar de o objetivo original do Projeto Produtor de Água do Pipiripau ser direcionado para a melhoria da quantidade e da qualidade da água na bacia, por meio da implementação de boas práticas, seus resultados e impactos vão muito além dessa discussão. A mobilização e o engajamento da sociedade, a organização e coordenação das ações das instituições e dos próprios produtores, a sinergia gerada na aplicação de esforços e na busca por recursos, a melhoria na governança sobre o uso do território e dos recursos hídricos, a autoconfiança dos produtores, que passaram de vilões a parceiros na gestão das águas, entre muitos outros, são benefícios difíceis de serem apresentados em números, mas que têm ajudado imensamente na Gestão Integrada dos Recursos Hídricos da bacia. Com a classificação conseguida no Prêmio “Water ChangeMaker”, o que mais importou foi a oportunidade de compartilhamento de iniciativas bem sucedidas como a do Pipiripau, para que outros pelo mundo possam se inspirar e, considerando as peculiaridades de suas regiões, possam buscar alternativas para a promoção de melhor qualidade de vida das pessoas por meio de ações relacionadas à gestão desse bem tão precioso e necessário, a água!

Referências

GWP – Global Water Partnership. (2020). Discover the Water ChangeMaker Semi-Finalists. Disponível em: https://www.gwp.org/en/waterchangemakers/change-stories/. Acesso em: 20 de novembro de 2020. Lima, J.E.F.W.; Ramos, A.E. (2018). A experiência do Projeto Produtor de Água na Bacia Hidrográfica do Ribeirão Pipiripau. Brasília, DF: Adasa, Ana, Emater, WWF Brasil. 304 p. Disponível em: http://www.produtordeaguapipiripau.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/03/livro.pdf.