a palavra nasceu na água

A Palavra Nasceu na Água

“Lutar com palavras é a luta mais vã, no entanto lutamos mal rompe a manhã”. Não sei se Carlos Drummond estava  pouco inspirado ou se estava de mau humor, mas a luta com palavras não é vã, exceto para rimar com manhã.

Foi com palavras que Jesus mudou o mundo, principiando  por mudar a noção que se tinha de Deus. Antes, um Deus vingativo, que vivia ferrando os filisteus, depois um Deus que perdoava porque amava. E foi com palavras, também, que Marx escreveu o Manifesto Comunista e mudou, de novo, o conceito de Deus, que passou a ser capitalista. Afinal, perdoava nossos pecados, mas não as nossas dívidas.

Palavras são palavras. Ou melhor, palavras são só palavras. Servem para exprimir um pensamento, mas, como aprisionar uma idéia nos limites daquele ajuntamento de letras? Tanto que Chaplin, inimigo do cinema falado, preferia as imagens sem qualquer texto. Seria como legendar um quadro de Rembrandt. Mas acabou se curvando e, com palavras, escreveu a letra de Smiles, cuja versão primorosa nos manda “sorris, vai mentindo a tua dor, que ao notar que tu sorris, todo o mundo irá supor que és feliz”.

Já li um estudo, vivo lendo e vivo duvidando, que localizava o início da civilização relacionando com a origem das palavras. Ele partia da idéia de que a primeira coisa a receber um nome foi o peixe. Afinal, se a vida começou na água, o primeiro homem que aprendeu a falar, começou a por nome nas coisas mais próximas. O peixe ganhou nome e o som das palavras que exprimem a idéia desse bicho é parecido. No inglês é fish, no português é peixe, no espanhol é pes. É sempre o barulho de um corpo caindo na água. A conclusão, que não importa para esta crônica, é que a linguagem, as palavras, portanto, foi inventada num lugar próximo da Dinamarca. Acredite se quiser.

As palavras são um conjunto de sílabas que são um conjunto de letras. Mais ou menos. Tem sílaba de uma letra só. Palavra é um esforço civilizatório para imbolizar os sons. Será que assim está melhor? Que seja. O fato é que, em razão das dificuldades da simbolizar os pensamentos, que não são sonoros, as pessoas se confundem.

Tenho um conhecido que adorava falar difícil. Quando ele se separou, alguém perguntou como é que estava indo a vida de solteiro outra vez. Ao que ele espondeu. “Eu sou um cara volátil”. Mas logo se corrigiu. “Quer dizer, eu sou um cara solúvel”.

Tem gente que fala demais. E, como diziam os antigos, dá bom dia a cavalo. Falam pelos cotovelos, que é um jeito metafórico de falar, pois cotovelo não fala. Dói.

Palavras servem para muitas coisas, inclusive para jogar o Jogo da Forca e fazer palavras cruzadas. Aliás, nas palavras cruzadas algumas delas só existem ali, naqueles quadradinhos. “Ror” é multidão e “Ló” é tecido fino como escumilha. Alguém já ouviu estas duas palavras soltas por aí?

Reza a lenda que os exércitos Persas haviam cercado a Lacônia. Como o estado sitiado não se entregasse, mandaram um recado: “se os exércitos persas invadirem a cidade, matarão todos os sacerdotes, sequestrarão todas as mulheres e prenderão o rei”. Foi então que o rei da Lacônia mandou um recado de volta: “Se…”

 

Sergio Antunes

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Sergio Antunes

É procurador autárquico do Estado de São Paulo, exercendo suas funções no DAEE Departamento de Águas e Energia Elétrica.

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