Conselho Nacional de Recursos Hídricos: uma perspectiva do futuro

Por Demetrios Christofidis, Cristhian Andres Aguiar Reyes Moreira e Equipe do DRHB/SNSH/MDR

Para falar sobre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, em seus propósitos e modo proativo e atual, vale a pena contextualizar desde a filosofia. Certa vez, o Filósofo de Éfeso firmou salutar entendimento da Physis segundo o qual tudo se transforma, num eterno “devir”, que resulta da tensão de opostos e nos conduz à ideia de movimento constante das coisas e das pessoas. Heráclito (ca 540-470 a.C.), filho de Bóson, costuma ser lembrado por isto: “tudo flui como um rio”.

Ainda hoje, temos dificuldade em assimilar a complexidade do pensamento desse e de outros Pré-Socráticos e Pós-Socráticos que, como ele, sustentaram o estado de impermanência e mudança constante como lei universal. Por vezes, a velocidade e a dinâmica da mutação nos assustam e podem resultar em antagonismo ao “estado novo”. Quando isso ocorre, é como se tentássemos percorrer as águas do mesmo rio duas vezes; mas não podemos realizar isso: i) porque as águas e o rio já se transformaram em algo diferente, e ii) nós também.

É possível que algo semelhante se constate num olhar atento à reformulação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, conforme o Decreto nº 10.000, de 2019.

Com base na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, a qual instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, Souza e Picolli (2019) salientam, em sua visão sistêmica gerencial, que o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos em vigor não demandaria uma estrutura administrativa complexa, mas requereria maior grau de articulação institucional, integração de políticas públicas e interlocução de atores, buscando o efetivo alcance das diretrizes e dos objetivos da Política Nacional.

Nessa linha, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e os Conselhos Estaduais e Distrital de Recursos Hídricos representam as instâncias consultivas e deliberativas máximas, em cada âmbito federativo, no que se refere à implementação da Política Nacional e ao desenvolvimento integral das atividades do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Posse do novo CNRH

São Órgãos Colegiados que regulamentam temas em: gestão, instrumentos de outorga, uso, cobrança, e leis, normas, etc., ligados a recursos hídricos, sob o véu da dupla dominialidade federativa da água e dos rios brasileiros. É, portanto, imprescindível a atuação em sintonia de tais colegiados.

O Decreto nº 10.000, de 3 de setembro de 2019, do Poder Executivo Federal, atento aos anseios dos setores usuários, do poder público e da sociedade civil, bem
como às suas necessidades e contingências face à dinâmica atual e à conjuntura dos recursos hídricos no centro das relações humanas e econômicas – e tendo a água como bem natural e finito, cujo domínio é público, e, dotado de valor ambiental e econômico, constitui-se insumo essencial à vida e às cadeias de produção e consumo no mundo – almejou dar novo fôlego e reorganizar os encontros, diálogos e deliberações nos temas afetos às águas sob jurisdição do Brasil, por meio da reestruturação administrativa do Fórum máster sobre gestão de recursos hídricos no País: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

A Literatura especializada no assunto há décadas apontava incongruências no que se refere aos processos de governança, governabilidade e planejamento dos entes públicos na matéria, com reflexos que iam desde a falta de mediação do setor público na construção de agendas conexas entre os setores produtivos nacionais até a desarticulação do poder público interna corporis e com os setores usuários de recursos hídricos, em geral sujeitos a políticas públicas específicas e fragmentadas. Sob a égide de programas de governo, com nomes de fantasia, eram financiadas ações estratégicas e estruturantes, desconsiderando-se outras demandas associadas, inerentes à governança e à governabilidade (Ipea, 2016).

É pura expressão do interesse público e do modelo pós-gerencial que o Estado tome vanguarda na reformulação do aparelho administrativo, de modo tal que se possa imprimir maior efetividade, eficiência e eficácia aos processos deliberativos e representativos no que tange à gestão de conselhos, comissões e comitês de alta relevância e impacto no cenário nacional, a fim de garantir a defesa dos interesses do Brasil, tais como: o desenvolvimento socioeconômico nacional, a diminuição das desigualdades regionais, o progresso científico e tecnológico, o uso sustentável dos recursos naturais, o equilíbrio ecológico-ambiental, etc.

Isso não significa, porém, que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, após a reformulação de 2019, com uma redução dos membros de 57 para 37, seja desfavorecido quanto à equidade de representação entre os segmentos ou em poder deliberativo do pleno. Ao contrário. Buscou-se, justamente, dar ao colegiado maior dinamismo e resolutividade. Vejamos. Com a reforma, o Governo Federal, que antes tinha 29 assentos, passa agora a ter 19. Os Conselhos Estaduais passam de 10 para 9. Os Usuários, de 12 para 6. As Organizações da Sociedade Civil, por sua vez, de 6 para 3. Essa percepção é relativizada em termos percentuais.

Souza e Picolli (2019) argumentam que, com a nova composição, o Conselho Nacional faz um reequilíbrio proporcional entre os diferentes segmentos, com aumento percentual para a representação dos Conselhos Estaduais e leve diminuição para a representação dos demais, isto é, Usuários e Sociedade Civil. Em números absolutos, sustentam que os dois últimos passam ao número de assentos da composição original do Conselho, nos termos do Decreto nº 2.612, de 3 de junho de 1998. União e Estados, por sua vez, têm aumento em 4 assentos cada, em vista do Decreto de 1998. Vide tabela abaixo, incluindo os Decretos que trouxeram maiores mudanças para a composição do Conselho, desde a sua criação. O Decreto nº 4.613, de 11 de março de 2003, foi incluído na matriz de Souza e Picolli (2019); mas não comportou alterações quantitativas para os segmentos do CNRH.

Importante frisar que o modelo de gestão participativa e descentralizada, no âmbito do Conselho Nacional e dos Conselhos Estaduais e Distrital de Recursos Hídricos, tal qual dos Comitês de Bacias Hidrográficas e demais órgãos integrantes do Sistema Nacional, não só fica mantido em termos legais e administrativos; mas também deve ser fomentado em termos de política pública de escopo nacional, voltada para a adequada gestão dos recursos hídricos no Brasil. É fundamental, assim, que se tenha isso claro em mente.

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos decerto terá ganhos com uma estrutura operacional e administrativa enxuta do Fórum maior de debate, articulação e promoção da gestão coparticipativa e democrática. Nesse sentido, as suplências ganham mais destaque, além de colaborações eventuais de outros órgãos e setores e experts nas matérias, como se propõe, inclusive, no ensejo das Câmaras Técnicas do Conselho Nacional, que passam de 10 para 6. Houve uma aglutinação de temas, de modo a conferir maior integração entre os assuntos e otimizar a transversalidade técnica, sob prisma convergente.

Na composição definida para as Câmaras Técnicas do Conselho Nacional, por ocasião da 42ª Reunião Extraordinária, realizada dia 11 de dezembro de 2019, em Brasília, notou-se a ampliação da participação dos setores Usuários e Sociedade Civil, que, juntos, passam a deter de 40 a 46% de representação por Câmara Técnica, em avaliação preliminar. Isso confirma a análise segundo a qual, nos diálogos de base, ampliam-se as contribuições de tais segmentos: num prospecto atual e futuro para o CNRH.

Intersetorialidade, cooperação federativa e segmentária, integração, articulação de políticas e atores, gestão participativa e descentralizada, representatividade, resolutividade, etc. são palavras de ordem, que ficam fortalecidas na atual estrutura do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Objetivou-se conferir maior efetividade, eficiência e eficácia à atuação dos conselheiros e dos membros das Câmaras Técnicas. Os resultados esperados são os melhores, à luz do planejamento estratégico-tático-operacional em execução.

A mudança de paradigmas requer um esforço ativo dos detentores de interesse e dos colaboradores na matéria. Apesar das incertezas, cabe ao Governo capitanear os processos com vistas ao diálogo, consulta, cooperação, gestão e deliberação estratégica das instâncias administrativas e do poder público, em sentido estrito. O dever de transparência, controle social, prestação de contas e seus desdobramentos confluem para o princípio derivado da gestão participativa e democrática: primado da Lei das Águas Brasileiras e do Direito Ambiental e Administrativo moderno.

Por fim, conclui-se a reflexão ora proposta, com fulcro no esclarecimento acerca da reformulação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos 2019, conciliando-se visões de todos os protagonistas do Sistema Nacional e assegurando-se as bases principiológicas da Política Nacional de Recursos Hídricos, as quais restam imaculadas na atual estrutura.

Agradecimento especial à toda a Equipe do Departamento de Recursos Hídricos e Revitalização de Bacias Hidrográficas (DRHB) da Secretaria Nacional de Segurança Hídrica (SNSH) do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) pelas contribuições no tema, em especial aos colegas: Anderson Felipe Medeiros Bezerra, José Luiz de Souza, Roseli dos Santos Souza, Cláudia Ferreira Lima e Adriana Lustosa da Costa.

Intersetorialidade, cooperação federativa e segmentária, integração, articulação de políticas e atores, gestão participativa e descentralizada, representatividade, resolutividade, etc. são palavras de ordem, que ficam fortalecidas na atual estrutura do Conselho Nacional de Recursos Hídricos

Referências
Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9433.htm. Acesso em: 8/12/2019.

Decreto nº 10.000, de 3 de setembro de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10000.htm. Acesso em: 8/12/2019.

Ipea. Governança Ambiental no Brasil. Brasília, 2016. Ipea. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos na Visão de seus Conselheiros: Relatório de Pesquisa. Brasília, 2012. Souza, J. L.; Picolli, I. T. O CNRH, Ontem e Hoje: contribuições para um novo Conselho. 2019.